"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



segunda-feira, 20 de novembro de 2017

HISTÓRIA MILITAR NA FRANÇA - MUSÉE DE L'ARMÉE DES INVALIDES

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A visita ao Hôtel des Invalides e ao Musée de L´Armée é o sonho de todo historiador militar. A riqueza cultural e o acervo muito bem preservado e organizado permitem ao visitante e, acima de tudo, ao pesquisador, conhecer com profundidade a participação da França nos conflitos ao longo da história, desde a Idade Média até os dias atuais.  Tive a oportunidade de conhecer o museu nessa semana e, como me comprometi a difundir a história militar na França enquanto estou aqui em Paris por uma temporada, faço agora uma apresentação geral de minha primeira visita, mas, posteriormente, devido à riqueza do acervo, farei novas intervenções mais específicas e pontuais.

O Musée de l´Armée está instalado no imenso complexo formado pelo Hôtel des Invalides, criado em 1670 por Luís XIV, destinado a abrigar veteranos de guerra. A imponente obra, em estilo clássico, encomendada ao arquiteto Libéral Bruant, reúne um enorme acervo de armas, como pontas de flechas da Idade do Bronze, espadas vikings do século IX, armaduras usadas pelos guerreiros medievais, e armamentos utilizados nos grandes conflitos do século XX.


O Hôtel des Invalides

O Hôtel des Invalides, classificado como monumento histórico nacional, que começou a ser ocupado a partir de 1674, abrigava no final do século XVII cerca de 4.000 pensionistas. Muitos eram realmente inválidos, internados no hospital de l’Hotel; outros, em melhores condições físicas se ocupavam da Bastille, a famosa prisão tomada e destruída durante a Revolução Francesa em 14 de julho de 1789. Os que tinham alguma condição de produzir eram empregados nos mais diferentes ateliers de trabalho, que funcionavam no Hôtel des Invalides.

A transformação do complexo em uma unidade museológica teve início ainda no século XVIII. A partir de 1777, a Galeria Real dos Planos-relevo (Galerie royale des Plans-relief) trocou o Palais du Louvre pelo Hôtel des Invalides, onde se encontra atualmente. A esta galeria juntou-se, em 1871, o Museu da Artilharia (Musée de l'artillerie), cujas peças ornamentam os pátios e passeios do palácio.

O editor do Blog junto a peças de artilharia no interior do museu

Para conservar as tradições do Exército Francês, seus troféus de guerra e objetos da vida cotidiana dos soldados, foi criado, em 1896, o Museu histórico do Exército (Musée historique de l'Armée). Este viria a ser fundido com o da artilharia em 1905, formando o atual Museu do Exército (Musée de l'armée).

Após o final da 2ª Guerra Mundial, durante a qual os Inválidos operaram uma rede clandestina de resistência a partir de 1942, o museu aumentou de tamanho, sendo incorporadas a Ordem da Libertação (Ordre de la Libération) e o museu de história contemporânea (musée d’histoire contemporaine).

Uma das mais importantes atrações presentes no Hôtel des Invalides é o túmulo de Napoleão Bonaparte, que tratarei em postagem específica posteriormente. Seus restos mortais ocupam um imponente túmulo sob a cúpula da igreja do Domo.


As coleções

As coleções do Musée de l’Armée são distribuídas pelos diferentes períodos da história militar francesa:

A Idade Média
A coleção referente ao período medieval reúne vários tipos de espadas, escudos, armaduras. Já no final da Idade Média, no século XV, as táticas militares sofreram grandes inovações com o aperfeiçoamento das armas de fogo, como canhões, e arcabuzes, inventados por volta de 1440. 

Armaduras medievais em exposição

As pesadas armaduras caíram aos poucos em desuso. Surgiram os capacetes militares. Entre as peças desse período pode-se apreciar a Armure aux lions, armadura leve, destinada às paradas militares, inspirada nas utilizadas pelos guerreiros da Grécia clássica, e que teria pertencido a Francisco (1494-1547).

O absolutismo
Da época do Absolutismo, existem, dentre outras peças, um uniforme de gala do começo do século XVIII e um fuzil de infantaria de 1717. O destaque fica por conta do canhão de bronze dourado, todo trabalhado em relevo. Obra do cinzelador Laurent Ballard, o canhão foi um presente do parlamento da região de Franche Comté a Luís XIV, quando o território, antes sob domínio espanhol, foi incorporado à França. 

Túnicas de regimentos franceses do século XVIII

Outra peça interessante é uma armadura infantil que pertenceu a Luís XIII que, ainda adolescente, montou uma rica coleção de armas. Boa parte dessa coleção ainda existe e está exposta na seção de armaduras (Département des Armures et Armes Anciennes) e armas antigas exibidas no Musée de L’Armée.

Período bonapartista
Da época de Napoleão há toda uma coleção de telas a óleo e esculturas, além de garruchas, sabres, fuzis, bandeiras, equipamentos e uniformes usados pelos soldados do Grande Armée. Uma das telas mais famosas, pintada em 1811 por Jean-Auguste-Dominique Ingres, retrata Napoleão, imperador da França entre maio de 1804 e abril de 1814. Bonaparte é representado sentado no trono imperial, todo imponente, sob um manto púrpura, forrado de pele de arminho, com uma coroa de louros cobrindo sua cabeça, tendo na mão um cetro, símbolo do poder imperial.

O editor do Blog diante da tela de Jean-Auguste-Dominique Ingres, retrata Napoleão, imperador da França entre maio de 1804 e abril de 1814.


Também é interessante conhecer o cofre com pistolas que pertenceram a Napoleão, bem como sua coleção de suntuosas espadas, verdadeiras obras de arte, decoradas com metais preciosos, obra de Nicolas Noël-Boutet, diretor da manufatura instalada em de Versailles. Napoleão, as levou consigo para Santa Helena após sua queda e as legou por testamento ao seu filho.

A Primeira Guerra Mundial
A sala dedicada à Primeira Guerra tem a intenção de fazer o visitante compreender o conflito, os interesses nele envolvidos e as grandes transformações na estratégia militar provocada por novos tipos de armamentos, como tanques, metralhadoras, artilharia pesada de longo alcance, aviões e armas químicas. Entre as peças mais interessantes está uma maquete de uma trincheira utilizada entre o final e 1914 e março de 1918, na chamada "guerra de posição”. As trincheiras, interligadas, estendiam-se por todo o front, com os adversários separados, às vezes, por algumas dezenas de metros uns dos outros, dentro de seus buracos escavados na terra, sofrendo com a lama, o frio, as doenças e a chuva.

Diorama mostrando a guerra de trincheiras, durante a 1ª Guerra Mundial


Com o carro de combate Renault FT-17, o primeiro blindado utilizado na América Latina e no Brasil.


os objetos expostos encontra-se uma corneta que tocou o cessar fogo quando da capitulação alemã em novembro de 1918. Também merece atenção, o quadro “A Batalha de Verdun”, de Vallotton, obra abstrata, inovadora, que retrata a crueza da guerra. Outra curiosidade é o “táxi do Marne”, carro de praça, que, como muitos outros em Paris, foi convocado para transportar, às pressas, soldados para o front, no rio Marne.

A Segunda Guerra Mundial
As mais importantes coleções referem-se à Segunda Guerra, o maior conflito do século XX, com armas, uniformes, maquetes, mapas, filmes, audiovisuais, documentos e amplo material fotográfico sobre todo o conflito e as diversas frentes de batalha no norte da África, no Oriente e na Europa. A ênfase, porém, é dada ao papel da Resistência e das forças francesas livres comandadas por Charles De Gaulle. Quem compreende francês poderá ouvir o histórico discurso gravado pelo general e transmitido pela BBC de Londres em 22 de junho de 1940, exortando os franceses a se unirem na luta contra o nazismo. Ficou na história sua famosa frase: “La France a perdu une bataille ! Mais la France n’a pas perdu la guerre!“.

O editor do Blog diante da torre do carro de combate alemão Pzkpfw II

Bandeira da Força de Franceses Livres, com a Cruz de Lorena, liderados por De Gaulle.

Entre as peças exibidas, destacam-se a torre de metralhadora de uma fortaleza voadora (Boeing  B-17) e um primeiro modelo de bombardeio B-16, que voou pela primeira vez em julho de 1935. Esse tipo de avião tinha várias torres de defesa no alto, na cauda, e embaixo da fuselagem para se defender do ataque dos caças inimigos, mais rápidos e ágeis. Outra curiosidade é a torre do carro de combate alemão Panzerkampfwagen II, um veículo blindado de 10 toneladas desenvolvido a partir de 1934, equipado com canhões de 20mm. Também é interessante o espaço dedicado a De Gaulle e à Resistência Francesa. Capitão na Primeira Guerra, De Gaulle acabou ferido e aprisionado pelos alemães em 1916. Na Segunda Guerra, quando a a França foi obrigada a se render às forças nazistas De Gaulle estabeleceu-se em Londres para organizar a resistência.

Carlos Daróz, editor do Blog, no Musée de L' Armée


Como assinalei antes, a visita ao Musée de L’Armée é um sonho para todo historiador militar.  Vale muito a pena.

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